sábado, 12 de março de 2016

RECORDAR É VIVER: Dez anos depois, relembre como foi a final da Taça Brasil de Futsal




Dez anos se passaram daquele 12 de março de 2006, mas difícil é apagar da memória o que ABC/UnP/Art&C e Malwee/Jaraguá proporcionaram aos mais de 10 mil torcedores que lotaram o ginásio Machadinho, em Natal.

Não foi uma tarde de domingo qualquer. O confronto valia o título da divisão especial da Taça Brasil de Futsal. O time potiguar foi ousado ao encarar de igual para igual o craque Falcão e a base da seleção brasileira. Dentro da quadra, nada de goleada, como muitos chegaram a prever na época. A vitória catarinense foi apertada, por 3 a 2, mas aquele vice-campeonato do Alvinegro mereceu ser aplaudido de pé por todos os presentes. 

Ginásio Machadinho recebeu público recorde para a final da Taça Brasil de 2006: tarde histórica  (Foto: Divulgação)
- Eu considero aquele jogo um dos maiores marcos do esporte do Rio Grande do Norte, pela presença popular no ginásio Machadinho; pela participação brilhante do ABC em uma competição nacional, com as melhores equipes do país. Nós entramos como zebra, apesar de sediarmos a competição, e éramos cotados para sermos penúltimo ou, no máximo, antepenúltimo diante das equipes que estavam em Natal - falou o jornalista Rubens Lemos Filho, então diretor de futsal do ABC.

 A decisão registrou 10.582 pagantes, marca que não foi superada no Brasil desde então, segundo dados da Confederação Brasileira de Futsal. E olha que o país recebeu uma Copa do Mundo da modalidade em 2008. A nota triste é que o ginásio Machadinho veio a ser demolido em 2011 para a construção da Arena das Dunas, palco do Mundial de 2014. 
- Foi um espetáculo maravilhoso. A lembrança que tenho daquela tarde fantástica é daquele público que foi chegando, chegando. Nós não acreditávamos que fosse dar aquela quantidade. O ingresso era R$ 1. Conseguimos colocar no Machadinho o que nenhuma atração musical conseguiu nos registros oficiais, fora os convidados e os que não pagaram - lembra Rubinho.


Quanto ao resultado, ficou, sim, o gostinho de que dava para ter sido campeão, mesmo diante de Falcão e companhia. A sensação, até hoje, é de que a bola iria entrar e que faltou pouco para um título histórico. A torcida se desesperou com os lances desperdiçados, mas soube reconhecer a valentia da equipe alvinegra no apito final. - O Jaraguá tinha Falcão, Valdin, o goleiro Donny, então titular da Seleção, os irmãos Chico e Leco, Márcio. Era um time realmente muito forte, formado por atletas da seleção brasileira na essência. Naquele jogo, tivemos grandes oportunidades de conquistar o título da Taça Brasil, mesmo contra Falcão. Nós tínhamos uma massa incentivando o tempo todo. 
Acho que o ABC se sentiu com o dever cumprido na hora que chegou à final. Ele respeitou demais a equipe do Jaraguá. Houve uma certa leniência, não proposital. Eu acho que alguns jogadores sentiram a decisão, mas outros foram para cima e realmente o placar foi muito apertado. Foi 3 a 2 para eles, mas nós poderíamos, sim, ter vencido aquela partida tranquilamente. Tivemos o artilheiro da competição, o nosso central Piliu, juntamente com Falcão. Lembro bem que fomos bastante elogiados no país inteiro e que perdemos alguns jogadores depois daquela campanha - recordou.
Falcão e Charles trocaram as camisas após o apito final: em quadra, muito respeito (Foto: Ivanizio Ramos)

CHARLES X FALCÃO
A energia que vinha da arquibancada do Machadinho contagiava os jogadores do ABC no vestiário. O ala Charles, na época com 32 anos, era um dos mais experientes do grupo e tentou motivar os companheiros antes de irem à quadra.

- Imagina você enfrentar uma equipe que tinha 80% dos jogadores da seleção brasileira, e contava ainda com o melhor jogador do mundo na época, Falcão (na época com 28 anos). Um monstro realmente, que estava na melhor fase dele. Eu tive a honra de ser o capitão daquela equipe. No momento da entrada, chamei os atletas no vestiário e apenas tentei passar para eles um pouco de experiência porque aquela final seria mais um jogo para a gente. Estávamos dentro de casa, com 10 mil pessoas lotando aquele Machadinho, uma coisa de louco! Então, expliquei para eles que nós éramos capazes e que eles (Jaraguá) tinham que lutar contra a gente e essa multidão que estava lá fora. Isso realmente mexeu muito com os atletas e comigo - falou.

Todos os olhares estavam voltados para Falcão, mas foi Jonas quem abriu o placar para o Jaraguá. O ABC só acordou depois do intervalo. O empate alvinegro veio depois de boa jogada de Betinho, completada para as redes pelo próprio Charles.

Betinho com a bola e Falcão na marcação (Foto: Ivanizio Ramos)
- Betinho roubou uma bola no campo de defesa e partiu no contra-ataque. Como eles marcavam muito bem e marcavam por zona, eu saí nas costas do central deles. Betinho conseguiu me achar e eu empatei o jogo. Aquele momento foi de êxtase. Foi algo inesquecível para mim e para os torcedores. O ginásio quase veio abaixo com a torcida nos empolgando - narrou Charles.

Um minuto depois, porém, Falcão fez o dele e, na comemoração, aproveitou para provocar a torcida, que respondeu com vaias e xingamentos ao craque. Várias latas foram atiradas para a quadra e o clima ficou tenso. 

- Eu fui em cima dele e disse: 'Tu tem que respeitar, pode acontecer uma tragédia aqui'. Ele me entendeu e disse: 'Valeu, Charles. Foi mal, me desculpe' - lembra o jogador potiguar, que, no final do jogo, trocou de camisa com Falcão. 

Jonas ainda faria o terceiro do time catarinense, frustrando os alvinegros, e Tarcísio descontou para o ABC. Charles, que hoje é professor de Educação Física, com pós-graduação em Metodologia do Futebol, conta que, mesmo com a derrota, todos saíram de cabeça erguida, pois sabiam que haviam feito história.

- No final, quando fui agradecer a (Fernando) Ferretti por tudo que nos ensinou, o melhor treinador do mundo na minha concepção, ele falou: 'Moleque, pô, vocês jogaram pra caramba'. Aí eu falei: 'Dava para a gente ter ganhado. Vocês tinham que ter facilitado para a gente ganhar aqui'. Ele: 'Mais um minuto aí, com essa torcida, vocês virariam o jogo e seriam campeões. Eu estava rezando para que acabasse o jogo. Eu até comentei com o Falcão que a gente nunca tinha jogado com um ginásio tão lotado, com uma torcida tão marcante como essa do ABC'. Isso foi muito gratificante, e me orgulho de ter participado de um jogo que ficou na história do futsal não só do Rio Grande do Norte, mas do Brasil - finalizou o ex-jogador. 

MARCOU ÉPOCA
Rubinho ressaltou ainda o empenho de todo o grupo de atletas e da comissão técnica naquela campanha heroica de 2006. Sob a sua gestão, o Alvinegro seria ainda hexacampeão estadual - de 2005 a 2010. Afastado desde então, ele lamenta a atual situação do futsal no Rio Grande do Norte, que não conta com a presença dos clubes de camisa e depende exclusivamente de equipes amadoras do interior.

- A lembrança que eu tenho nestes 10 anos é de que foi uma missão cumprida com muito amor, muito trabalho, esforço, superação. Agradeço aos parceiros que tivemos, principalmente Arturo Arruda (patrocinador), que esteve conosco do início até o final. Agradecer também ao técnico Ernani Passaglia, a Canindé Claudino, que era o coordenador, e a cada um dos jogadores daquele grupo. O time titular era Neilson, Piliu, Tibúrcio, Erick e Anderson, que se machucou e foi substituído por Charles, que fez uma competição extraordinária. Para mim, foi o melhor jogador da Taça Brasil depois de Falcão. Tínhamos ainda os goleiros Ricardo e Anderson, Juninho, Biro-Biro, Tarcísio, Júnior Carioca, Nelsinho e Betinho, que fez gols importantíssimos. É relembrar com muita saudade e com a alegria de ter feito história em nível nacional. Até hoje este jogo pode ser encontrado na íntegra na internet. Podem ver que o ABC deu uma demonstração de raça e mostrou que o Rio Grande do Norte é forte no esporte. 
Foto: Ivanizio Ramos

É uma pena que o futsal praticamente tenha acabado no nosso estado, e que o último legado tenha sido o nosso (no ABC). Isso muito me orgulha. Entramos naquele projeto, o ABC tinha oito títulos estaduais, e chegamos aos 14. O grande marco, sem dúvida, foi aquele jogo contra o Jaraguá, quando muitos acreditavam que nós seríamos goleados, mas nós conseguimos jogar com raça e, por muito pouco mesmo, por detalhes, não impedimos a façanha diante do maior jogador de todos os tempos - concluiu o jornalista.

FONTE: GloboEsporte.com/RN

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